O Evangelho no Japão – 3ª parte

por Gabriella Kashiwakura

Outro ponto é que cristãos japoneses podem acabar sendo desmotivados a evangelizar, pois, para não haver perturbação do próximo, é preferível não se tentar convencer o outro a pensar de outra forma. Cada um teria, portanto, seu direito de pensar da forma que queira. Por vezes, não se tem coragem de evangelizar com receio de se perturbar o próximo ou atrapalhar a harmonia coletiva. Cabe à igreja, por sua vez, ensinar seus membros que eles possuem uma nova identidade em Cristo. Ao aceitar a Cristo como Senhor e Salvador, passamos a estar assentados em uma nova posição com Cristo. Dessa forma, a verdadeira honra vai muito além do cumprimento de regras sociais, mas sim, de fazermos parte da família de Cristo e de termos a paternidade de Deus.

Os cristãos japoneses precisam entender que, ao tomarem posse dessa nova identidade, eles possuem liberdade para se comportarem à altura dessa nova identidade. Inclusive, entender que eles são livres para serem pastoreados. Esse é um ensinamento que deve ser transmitido por diversas vezes até ser finalmente assimilado. Nos evangelismos, mesmo que haja confronto de ideias e princípios, como cristãos, estamos transmitindo as verdades do Reino. E tais verdades precisam ser anunciadas.

Uma excelente forma de firmar essa nova identidade entre os membros da igreja é por meio do senso de pertencimento. À medida que eles entendem que pertencem àquele lugar, eles se sentem mais à vontade para se expressar e servir. Aqui em nossa igreja em Tokyo, uma das formas que utilizamos para reforçar esse senso de pertencimento entre nossos membros é por meio do momento de comunhão após os cultos. Ao final de cada culto de domingo, nos reunimos ao redor da mesa para comermos juntos e termos um momento de descontração. Isso traz a ideia de família – a ideia de que, quando estamos em família, podemos nos sentir à vontade. Muitas estratégias evangelísticas que utilizamos também se centram na ideia de construir relacionamentos, a fim de atraí-los para a igreja. Essa associação da igreja como um ambiente familiar e amigável contribui para que eles se sintam livres para se expressarem. 

À medida que eles entendem que agora possuem uma identidade que vai além dos padrões sociais e que o valor de cada um não está mais associado a uma posição social, gera-se o entendimento de que o evangelismo é algo necessário. O Evangelismo não é um simples convencimento, mas é mostrar uma nova realidade para as pessoas. Quando há esse entendimento, se torna mais fácil superar o receio de perturbar o próximo.

Os japoneses possuem a tendência de demonstrar lealdade ao grupo ao qual pertencem. Ou seja, existe a ideia de dar o melhor pela equipe, pelo grupo ou pela empresa. Entretanto, apesar de positiva, devemos estar atentos aos efeitos colaterais que tal lealdade levada ao extremo pode trazer para a comunhão na igreja. Apesar de querermos membros leais, às vezes, o medo de fracassar ou de decepcionar pode ser algo que acabe travando os indivíduos no serviço da igreja. Alguns preferem não servir por não se acharem capazes o suficiente. Outros, ao servirem na igreja, podem se sentir tão sobrecarregados com o peso de seus pensamentos não renovados que podem acabar deixando de frequentar os cultos ao invés de se abrirem para buscar ajuda.

Na sociedade japonesa, vemos como uma cultura guiada pela vergonha e honra pode afetar psicologicamente seus membros. Aqui, pelo fato de haver essa forte preocupação em preservar a reputação em vista ao esperado pela sociedade, gera-se muitos indivíduos com comportamentos desajustados, que não sabem ou não conseguem se expressar e que se sentem incompreendidos. Cabe, então, à igreja essa missão de recebê-los com uma abordagem compassiva. De maneira alguma, defendo uma abordagem permissiva, que permita que as pessoas se comportem como bem entenderem com a justificativa de que Deus ama a todos de qualquer forma. Porém, precisamos resgatar essas pessoas, entendendo de onde elas vêm, com a missão de guiá-las para uma caminhada correta e plena com Cristo. Primeiramente, essas pessoas precisam de compaixão para se libertarem das amarras mentais e psicológicas em que muitas vezes se encontram. Durante nosso tempo de igreja, temos encontrado muitas pessoas com distúrbios psicológicos; inclusive, muitos de nossos membros possuem testemunhos maravilhosos de como foram libertos de problemas dessa magnitude.

Como cristãos e família de Cristo, devemos ensinar nossos irmãos japoneses a respeito da existência da graça. É a graça que nos preenche. Deus é o único capaz de nos preencher por completo, em todas as áreas de nossas vidas.  A graça também nos habilita e nos capacita a servir a Deus com excelência e integridade de coração; portanto, não precisamos nos esgotar física e psicologicamente tentando dar o nosso melhor. Nem precisamos nos cobrar excessivamente quando não alcançamos o nível esperado por nós mesmos e nem ficar presos a opiniões alheias. Obviamente, devemos almejar fazer sempre o melhor para Deus, mas é sempre confiando na graça dEle e não em nossa própria força.

De fato, o Evangelho é apenas um. Jesus Cristo é um só; entretanto, o Evangelho pode ressoar de diferentes formas nos corações sedentos de diferentes culturas, dependendo da forma como tal cultura é estruturada e das principais questões e princípios que a cercam. Assim, vemos a beleza do Evangelho. Sua multidimensionalidade se traduz no fato de que Cristo veio para suprir toda e qualquer necessidade. Como uma igreja que lida com os japoneses, temos aprendido a não olhar para essa cultura com o olhar ocidentalizado (e, por vezes, julgador); estamos procurando comunicar o Evangelho de forma efetiva. Um Evangelho que alcança cada indivíduo no lugar em que ele está. Um Evangelho que os insere em uma família celestial, que restaura a honra, que traz paz e que ressignifica o sentido de servir e de ser leal.

Somos uma família, em que seus membros apoiam uns aos outros, para que, como Corpo de Cristo, avancemos em direção ao alvo. Nesses quatro anos de igreja, temos sido confrontados com reações, com questionamentos e com comportamentos muitas vezes distintos do que estamos acostumados no Brasil. Entretanto, também temos visto uma transformação genuína e sobrenatural nas pessoas que têm passado pela nossa igreja. Essa é a missão do missionário: olhar uma cultura tão diferente e não julgá-la com noções preconcebidas de certo e errado, mas entender a cultura com um olhar de compaixão. E o Espírito Santo nos guia a revelar um Evangelho que alcança os corações de diferentes povos, se comunicando diretamente com as necessidades mais latentes de cada cultura.

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