por Tony Cooke
Recentemente, vi uma postagem compartilhada por diversas pessoas em uma rede social. Parecia que tal postagem questionava a validade do treinamento de líderes no contexto pastoral/cristão. Ali, era apresentada a ideia de que o termo ‘servo’ aparece mais vezes na Bíblia do que o termo ‘líder’. A mensagem era exatamente essa:
Líder é mencionado apenas seis vezes na Bíblia (versão King James). Servo é mencionado 900 vezes! Por que, então, temos tantas conferências de líderes?
Deveria, portanto, uma pessoa deduzir que ensinamentos sobre liderança são de alguma forma sem tanta importância ou até antibíblicos? Como alguém que ensina a respeito de princípios de liderança a pastores e a membros de igrejas, com certa frequência, tal frase certamente me fez pensar, e quero compartilhar alguns pensamentos aqui.
Em primeiro lugar, pode ser um tanto enganoso apresentar uma ideia, simplesmente, baseada na quantidade de vezes que uma palavra aparece na Bíblia. Tal postagem indica que a palavra líder aparece somente seis vezes na Bíblia. A inferência assumida é que, pelo infrequente uso da palavra – liderança (ou treinamento de líderes) – pode não ser tão importante assim.
No entanto, o pouco uso da palavra líder(es), conforme citado, somente é correto na versão King James. Na referida versão Atualizada, o termo líder(es) é utilizado 116 vezes. Quando checamos em outras versões, os termos líder(es) e liderança são usados diversas vezes. Um grande salto de apenas seis vezes!
Mesmo assim, é vital perceber que a importância de um conceito não é, necessariamente, determinada pela frequência que tal termo aparece. Por exemplo, você sabe quantas vezes a palavra Trindade aparece na Bíblia? A resposta correta é zero; a palavra Trindade não aparece na Bíblia. Isso significa que a Trindade é, portanto, sem importância? Absolutamente, não! O conceito de Trindade engloba uma miríade de referências ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo ao longo do Novo Testamento. Devemos concluir que a natureza trina de Deus não é importante pelo fato da palavra Trindade não aparecer na Bíblia?
Levando tal ilustração a um nível absurdo, alguém poderia dizer: A palavra Trindade nunca aparece na Bíblia. Satanás, demônios e espíritos malignos são mencionados em terno de 185 vezes (versão King James)! Por que temos tantos ensinamentos a respeito de Deus?
Claramente, tal afirmação é ridícula, mas esse é o mesmo tipo de lógica refletida na analogia liderança/servo, feita acima.
Outro fator importante é que há outros termos no Novo Testamento que se referem ao conceito de liderança para além do termo “líder”. Por exemplo, superintendente, pastor, ancião e bispo também possuem relevância para o exercício da liderança da igreja. Em I Coríntios 12.28, Paulo se refere a administração (King James Atualizada) e governo (versão King James). Da mesma forma, o Antigo Testamento se refere diversas vezes a pessoas em posições de liderança sem, necessariamente, usar o termo “líder”. Nesses casos, palavras como rei, governante, príncipe, pastor, juiz, capitão e ancião são utilizadas no lugar.
Além disso, creio que pessoas frequentemente esquecem verdades bíblicas importantes pelo fato de olharem pela perspectiva do “ou” ao invés do ponto de vista do “e”. Em outras palavras, em nenhum lugar Deus diz, “Escolha hoje o que haveis de ter – uma atitude de servidão OU melhores habilidades de liderança”. Tais conceitos não são mutuamente excludentes; eles devem trabalhar lado a lado. Todo líder espiritual deve operar com um coração de servo. Absolutamente! Servidão e liderança não são mutuamente excludentes da mesma forma que Jesus é o Cordeiro E o Leão da Tribo de Judá.
Com frequência, é dito que “o trabalho ministerial envolve pessoas”, e isso é bem verdade. Além de líderes seniores, todo aquele que gerencia, supervisiona ou influencia pessoas pode se beneficiar com o aumento ou com o aprimoramento de suas habilidades de liderança. Quer chamemos de diretores, chefes de departamento, coordenadores ou supervisores, muitas pessoas tipicamente liderarão melhor se forem submetidas a um treinamento e a instruções de qualidade.
A realidade é que a Bíblia é repleta de regras e de princípios para uma liderança guiada por Deus. Aqueles que foram selecionados para auxiliar Moisés na liderança do povo de Israel deveriam ser “homens de capacidade, tementes a Deus, homens verazes, que aborreçam a avareza” (Êxodos 18:21). Se tais características são necessárias para líderes, não é razoável crer que Moisés provavelmente ensinou a respeito de tais traços de caráter?
Moisés e o Treinamento de Lideres
Muito antes de Israel ter um rei, instruções para tal cargo já haviam sido dadas. Em Deuteronômio 17.14-20, Moisés declara:
“Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te dá, e a possuíres e, nela habitando, disseres: Porei sobre mim um rei, e como o fazem todas as nações que estão em redor de mim; porás certamente sobre ti como rei aquele que o Senhor teu Deus escolher. Porás um dentre teus irmãos como rei sobre ti; não poderás pô sobre ti um estrangeiro, homem que não seja de teus irmãos. Ele, porém, não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: Nunca mais voltareis por este caminho. Tampouco multiplicará para si mulheres, para que o seu coração não se desvie; nem multiplicará muito para si a prata e o ouro. Será também que, quando se assentar sobre o trono do seu reino, escreverá para si, num livro, uma cópia desta lei, do exemplar que está diante dos levitas sacerdotes. E o terá consigo, e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer ao Senhor seu Deus, e a guardar todas as palavras desta lei, e estes estatutos, a fim de os cumprir; para que seu coração não se exalte sobre seus irmãos, e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; a fim de que prolongue os seus dias no seu reino, ele e seus filhos, no meio de Israel.”
Moisés forneceu instruções divinas a respeito do que líderes (reis) não deveriam fazer, assim como o que eles deveriam fazer. Tudo isso soa como um treinamento de líderes para mim.
Conforme nos movemos ao longo das Escrituras, as palavras finais de Davi na Terra incluem a seguinte admoestação (II Samuel 23.3). Tais palavras são muito instrutivas quanto à natureza de uma liderança guiada por Deus.
“Falou o Deus de Israel, a Rocha de Israel me disse: Quando um justo governa sobre os homens, quando governa no temor de Deus.”
Jesus e o Treinamento de Líderes
Quando Jesus entra em cena, Ele aponta apóstolos que serão testemunhas da Sua ressurreição e, inevitavelmente, responsabilidades de liderança virão sobre eles. Vemos Jesus os preparando para suas atribuições, enfatizando os valores e princípios divinos que deveriam ser implementados conforme eles seguissem seus chamados. Jesus frequentemente corrigia Seus discípulos, quando suas atitudes e ações não representavam a Ele ou ao Pai propriamente.
Talvez, o melhor exemplo sobre como Jesus ensinou Seus discípulos a liderar, propriamente, seja encontrado em Mateus 20.25-28:
“Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.”
Jesus, aqui, não está descartando todos os conceitos de liderança; ao contrário, Ele está destacando algumas virtudes – como a servidão, uma mentalidade sacrificial e uma natureza generosa – que refletem a natureza de Deus na liderança de pessoas, e Ele está rejeitando abordagens carnais.
Paulo e o Treinamento de Lideres
Conforme estudamos mais a fundo o Novo Testamento, vemos Paulo conduzindo um treinamento de líderes, perto de Mileto, com anciãos da igreja de Éfeso. Eu encorajo você a ler (com atenção) as admoestações de Paulo para esses líderes em Atos 20.17:38. Paulo apresenta o exemplo de sua própria vida e ministério, para demonstrar como eles devem servir a Cristo. Ele apresenta tópicos vitais como humildade, consagração e perseverança, e fornece detalhes sobre a natureza das responsabilidades dadas por Deus.
Em adição a essas reuniões com os anciões (líderes de igrejas responsáveis por alimentar suas ovelhas e pelo exercício da supervisão espiritual), Paulo também escreve, para Timóteo e Tito, cartas que são comumente referidas como Epístolas Pastorais. Essas cartas são repletas de todos os tipos de instruções sobre como esses dois jovens ministros devem realizar suas atribuições espirituais. Paulo encoraja Timóteo e Tito a desempenharem seus deveres com humildade, ousadia, perseverança e sabedoria. Em essência, as epístolas pastorais representam um treinamento de líderes em forma de carta.
Com os anos, tenho ouvido pessoas se referirem a doutrina de uma forma muito negativa (por exemplo: “Não queremos nenhum tipo de doutrina aqui”). Da mesma forma, tenho ouvido pessoas falarem depreciativamente sobre teologia. A verdade quanto a isso é que tais termos (doutrina e teologia) não são por si só problemáticos. O que é ruim é uma doutrina ruim e uma teologia ruim. Do mesmo modo, o treinamento de líderes deve ser julgado por seu conteúdo. Eu também não quero um treinamento de líderes ruim! Porém, feito com excelência, doutrina, teologia e liderança são ferramentas vitais e essenciais.
Onde isso nos leva?
Talvez, alguns já devem ter ouvido a respeito de treinamentos que descartam princípios bíblicos e negam a importância da oração e da confiança no Espírito Santo. Eu também teria problemas com esse tipo de ensinamento. No entanto, devemos jogar fora a água do banho com o bebê junto? Infelizmente, aqueles que pensam nos termos “tudo ou nada” possuem tal tendência.
É claro que devemos ter discernimento. No meu treinamento ministerial, eu aprendi cedo a “comer o feno e cuspir as varas”. Se o conteúdo do treinamento for bíblico, promover o Cristianismo, expor os princípios das Escrituras e equipar pastores e outros a liderar – mais eficazmente e com maior sabedoria – eu estou dentro. Líderes necessitam de toda a ajuda que eles puderem conseguir à medida que guiam suas congregações e promovem o crescimento espiritual dos crentes em tempos desafiadores.
Traduzido por Gabriella Kashiwakura