Aborto: Quando começa a vida? E quem pode terminá-la?

Por: Edilson de Lira

O tema “aborto” não é algo novo, mas ganhou destaque na mídia nos últimos dias por causa de uma decisão específica do STF favorável à interrupção da gravidez em casos de menos de 3 meses de gestação. Antes, o aborto era aceitável apenas em casos de estupro, risco de morte para a mãe, e fetos com anencefalia (formação incompleta do cérebro). Esta nova decisão, porém, abre precedente para muitos outros casos semelhantes, e vem causando uma grande mobilização social, seja contra ou a favor. Sem a pretensão de esgotar as inúmeras nuances jurídicas, éticas, filosóficas e políticas desta questão, quero me concentrar nos aspectos bíblicos do tema, e vou começar com uma pergunta básica, mas de resposta não tão simples: 

Quando começa uma vida?

Historicamente:

A vida, num sentido mais amplo, é como a beleza: fácil de ser reconhecida, mas difícil de ser definida em palavras. No caso da vida humana, em que instante exatamente ela se inicia? Bem antes da descoberta do microscópio, Platão acreditava que a alma “entrava” no corpo no momento do nascimento, e o aborto era comum na sociedade Romana e Grega antiga. Outros filósofos, como Aristóteles, afirmavam que a vida surgia quando a mãe sentia os primeiros movimentos na barriga, e então a polêmica já existia desde aqueles tempos. Mesmo na igreja dos primeiros séculos, não havia consenso: Santo Agostinho afirmava que a vida começava a partir de 40 dias de gravidez, mas outros bispos antigos (Tertuliano, por exemplo) afirmavam acontecer muito antes. Foi apenas em 1869 que o papa Pio 9º passou a condenar qualquer interrupção voluntária da gravidez.

Cientificamente:

A ciência também está longe de ser unânime nesta questão. Para alguns (hipótese genética), a vida começa quando o óvulo encontra o espermatozoide (fecundação). A partir desse instante, teríamos a formação de uma pessoa. Mas mesmo após a fecundação, o embrião nos seus primeiros 15 dias pode se dividir em 2 ou 3 outros embriões. Como então uma pessoa poderia surgir e depois se transformar em 2 ou 3 pessoas? Além do mais, 50% dos embriões não conseguem se fixar ao útero. Ou seja: se a fecundação define o início da vida, metade das pessoas morreriam espontaneamente por abortos. Outra hipótese (embriológica) admite que a vida ocorre na chamada “gastrulação”, quando o embrião já está no útero, tem 3 camadas específicas de células e não pode mais se transformar em 2, sendo, portanto, um indivíduo único. É baseado nessa hipótese que os médicos que prescrevem a “pílula do dia seguinte” afirmam não estar cometendo aborto. Outra forma científica de entender quando a vida começa é tentando responder quando ela acaba (hipótese neurológica). Se a ciência hoje afirma que a morte acontece quando existe ausência de ondas cerebrais, então a vida surgiria com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral (algo que hoje se entende começar na oitava semana de gestação).

Biblicamente:

Jeremias 1:5 diz: “Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações”

Essa passagem demonstra que antes da formação de nossos órgãos, Deus não apenas nos olhava como seres VIVOS, mas já tinha desenhado planos e propósitos para cada um de nós! O salmista é ainda mais específico no assunto:

“Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir. ” Salmos 139:13-16

No Antigo Testamento, aquele que causasse um dano a um feto sofreria das mesmas consequências que resultavam do dano a um adulto. Isso mostra que Deus considera uma vida na barriga da mãe tão importante quanto a vida que já nasceu:

“Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela der à luz prematuramente, não havendo, porém, nenhum dano sério, o ofensor pagará a indenização que o marido daquela mulher exigir, conforme a determinação dos juízes. Mas, se houver danos graves, a pena será vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão. ” Êxodo 21:22-25

Jó afirma que o Senhor o vestiu de pele e carne e o ajuntou com ossos e tendões (Jó 10:11). Ele não diz que o Senhor formou alguma coisa (sem vida) que um dia iria se transformar em Jó (pessoa), mas que formou alguém, ou seja: Jó já “era Jó” no ventre de sua mãe. Já era um ser humano. E Deus já tinha planos para ele. Isaias diz o mesmo: “Assim diz o Senhor, aquele que o fez, que o formou no ventre” (Is 44:2). Não diz: aquele que formou uma coisa que um dia iria se transformar em você! Você já é você diante de Deus muito antes de ganhar uma certidão de nascimento!

Vemos na Bíblia que além de Deus já enxergar um propósito em nossas vidas ainda no ventre materno, até nós mesmos, com sensibilidade e percepção espiritual, podemos discernir que propósitos são esses! O caso de João Batista é um dos mais conhecidos, onde Isabel, cheia do Espírito Santo, declarou profeticamente os propósitos de João Batista antes de ele sair da barriga de sua mãe:

“Bendita é você entre as mulheres, e bendito é o filho que você dará à luz! ” (Lucas 1:42)

A Bíblia também diz que o feto podia sentir alegria (Lc 1:44), como qualquer ser humano adulto. Logo, fica claro com essas e muitas outras passagens que Deus não faz distinção entre aquele que nasceu e o que não nasceu. Todos já são sua imagem e semelhança!

Vamos então responder à segunda pergunta, igualmente digna de debates:

Quem tem o direito de tirar a vida de alguém?

Alguns defensores do aborto afirmam que o Estado deve legalizá-lo para continuar sendo laico (isento de religião). Porém a definição de vida não é apenas religiosa, e um estado democrático, mesmo laico, deve ter suas leis baseadas no desejo expresso da maioria de sua população, mesmo que esse desejo seja fundamentado em princípios religiosos. Afirmar também que a criminalização do aborto é uma restrição à liberdade sexual da mulher é uma demonstração de total ignorância dos atuais meios de contracepção, que são diversos, seguros, baratos e de acesso universal no Brasil. Vale lembrar que os casos de estupro e de risco de morte à mãe representam menos de 1% dos atuais casos de aborto no Brasil. A grande maioria acontece mesmo pura e simplesmente por não se querer um filho nessa época, seja por razões econômicas, emocionais, ou falta de estrutura espiritual e familiar. Razões como “como vou terminar minha faculdade?”, “como vou esconder essa traição?”, ou “como minha família vai reagir?” nunca serão motivos suficientes para justificar a retirada da vida de ALGUÉM!

O direito de liberdade de alguém não pode ultrapassar a barreira do direito de existir de outro alguém. Por isso a questão toda se concentra em QUANDO esse alguém é realmente alguém, e não algo, um mero amontoado de células sem individualidade e vida. Como afirmei no começo do texto, são muitas as nuances a serem observadas, mas aqui o nosso enfoque é o Bíblico. Ainda que todo o processo de aborto se tornasse legal no Brasil, nenhum governo é perfeito, e “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:29).

E para quem já fez, ou estimulou alguém a fazer?

O aborto, como qualquer outro pecado, não é imperdoável diante de Deus. Porém, as consequências psicológicas, espirituais e até físicas podem ser terrivelmente danosas. É certo que os erros passados não podem ser desfeitos. Porém, não se pode deixar o remorso e outros sentimentos destruírem completamente a esperança de futuro. Existe uma tristeza que segundo Deus pode gerar arrependimento e mudança de vida: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte” (2Coríntios 7:10). Deixe a graça e o perdão de Jesus tomar conta de sua consciência, e o que foi um erro gerador de morte pode ser uma oportunidade de desfrutar ainda mais profundamente do dom da vida e da justiça!

“Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas para que vocês não pequem. Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo. ” (1 João 2:1)

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